sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Guanabara 666 -Crato.

Sabe aqueles dias em que você acorda e sente que algo de bizarro vai acontecer e depois acaba se arrependendo de ter se levantado, pois bem.

Tudo aconteceu em um desses fevereiros da vida, eu, um legítimo filho do carnaval, já que sou de novembro, viajando para as serras , fugindo do mesmo carnaval que me concebeu.

Era uma manhã de sábado diferente das outras, tinha um certo ar de coisa estranha, uma singular leveza tomava conta de todos e de tudo, e foi nela em que eu me mandei.Juntei três bons amigos e rumei para a rodoviária que estava vazia como sempre, com seus funcionários e tudo mais, e ficamos esperando o ônibus.

"Primeiro carnaval sozinho, sem pai, sem mãe, SÓ!", pensavamos todos ao ver o ônibus estacionar na plataforma."Guaramiranga, aqui vou eu!", ou pelo menos iria.

Acontece que era o ônibus errado, este ia para o Crato, que ótimo.

-Crato?!Que merda de Crato, já era carnaval- resmungava baixinho Carlinhos, ao ver que depois de muita peleja decidimos que quando chegássemos no Crato iríamos pra Guará, feito.

Fomos dormir, pois não era costume de nenhum madrugar para pegar ônibus, dormimos até que um forte estrondo e um barulho metálico nos acordou e a todos também.

-Vish, o pneu do busão já era- "não acredito, ainda mais essa, ótimo."

Descemos todos para que o pneu fosse trocado pelo motorista, afinal, cadê o motorista?!

-Sumiu - gritavam as senhoras de idade , "como sumiu, como assim sumiu , essa é boa."

Minha cabeça estava a mil, não entendia mais nada naquela situação infernal, o sol quente do nosso Sertão fazia uma sopa de neurônios na minha cabeça, "esperar notícias do motorista, talvez tenha ido buscar ajuda."

Talvez todos tenham pensado da mesma forma , pois eles se sentaram à sombra do ônibus e esperavam notícias de uma terra civilizada.

Assim foram se passando horas, dias, meses, anos e nada de pneu, nada de motorista, nada de comissário nada de nada, sobrevivíamos do que levávamos dentro do ônibus, então com uma brilhante idéia estúpida, Carlinhos decidiu ir andando até alguma cidade, e eu, pequeno ser ignorante, segui-o com o pensamento que até os miseráveis sertanejos iam até São Paulo a pé, eu iria até Fortaleza.

Então conosco foi boa parte dos tripulantes daquela coisa sem rumo, todos a pé, indo para cidade.

Andávamos e andávamos e nada, sempre de cara com aquele inóspito horizonte, malhado com ralas nuvens brancas, o sol era o único companheiro, e o mais desleal, assim foi a nossa jornada. Os dias demoravam mais para passar, ao longo da caminhada víamos os restos mortais de animais com nossa mesma sorte, sede, muita sede...

Seguíamos aquela sinuosa trilha preta rumando ao horizonte imerso no imenso deserto que havia se formado naquela região com o passar dos tempos, até que ao longe vimos algo muito alto, como se fosse uma muralha, “mas uma muralha aqui no Sertão? Deve ser aquela tal de miragem”, continuamos andando em direção à muralha.

Não, não era miragem, muito menos uma muralha e sim um quilométrico paredão que se estendia até tocar as nuvens no alto e ia até onde alcançava a nossa vista, e ao seu pé, misturados aos entulhos de osso e carcaças, milhares de pessoas, todas magras, raquíticas, implorando a Deus que trouxesse logo a morte para finalizar aquele tormento. Foi a cena mais horrível que presenciei até hoje, me senti na África, com todas aquelas pessoas deformadas pela fome.

Eu me perguntava o que seria aquilo quando ouvi propagando sair do rádio de um dos que estavam com a gente, “O empreendimento das barricadas feito pelo governo federal obteve êxito, pois segundo os dados do IBGE, diminuiu significativamente o número de refugiados da seca do Nordeste nas grandes capitais brasileiras.”

Engraçada foi a reação das minhas pernas ao escutar aquilo, pararam de me obedecer, congelaram,não mais as sentia, “ótimo, preso para sempre nesse inferno, condenado aos urubus, já era carnaval.”

Deve ter sido a última coisa que eu pensei, antes de tudo escurecer e ouvir uma estranha buzina.

Abri meus olhos, “nossa como ta cedo”, pensei ao olhar para o relógio que datava o domingo antes do carnaval.

Abri a janela e vi Carlinhos colocando minha bagagem dentro do carro para irmos para o terminal.

“Cara foi um sonho, que coisa mais louca.”, pensava no caminho da rodoviária, enfim chegamos, e lá estava chegando também o ônibus na plataforma, onde se lia “Guanabara 666 – Crato”

sábado, 8 de novembro de 2008

De que vale ser o primeiro, fazendo ser o último

Quinta-feira, ouvi um professor que considero muito fazer um discurso para uma turma, o que me inspirou bastante e me lembrou de uma historinha.

De que vale ser o primeiro, fazendo ser o último.

No interior da minha avó, existia um senhor que tinha uma fazenda, na qual só criava animais para competições.
Todo tratamento e atenção dele era dado aos animais, pois tinha uma gana enorme de tirar primeiro lugar em todas as competições da região.
Sendo assim, todo dia antes do sol sair, lá estava ele cuidando dos seus animais, preparando ração , limpando chiqueiros, dando banho nos cavalos até o sol ir embora, sempre assim, sol vem sol vai e ele sempre naquela labuta, esquecendo os outros e a si mesmo, sempre querendo ganhar, sempre querendo se sentir importante, pobre Zé.
Nunca tirava primeiro lugar, sempre segundo e terceiro, até que um dia ele ganhou o seu primeiro lugar, o ponto mais alto do pódio, e com ele se foi a sua mulher.
Não tarda muito e seu Zé ganha seu segundo primeiro lugar, e com ele se vai seu primogênito.
Assim tornou-se a vida de Zé, de Mané, primeiros lugares, último lugar, pobre seu Zé, com essa gana, até sua casa e seus animais o deixaram, com essa gana de ser o primeiro, de querer ser importante, pobre Zé, pobre Mané, mal sabia ele que a importância era não ser tão importante.